O estado do Rio Grande do Sul vive uma situação dramática devido a uma trágica combinação de fatores climáticos que culminou em chuvas volumosas entre os dias 28 de abril e 5 de maio de 2024, ultrapassando 700 mm no acumulado de 7 dias em alguns municípios gaúchos, somados a deslizamentos de terra e a ocupação urbana em áreas de planícies inundáveis das calhas dos rios.
O resultado foi extravasamento de diversos rios, arroios e afluentes, entre eles, o Rio Taquari, Rio Pardo, Rio Jacuí, Rio Caí, Rio dos Sinos, Rio Gravataí, todos que desaguam no lago Guaíba, em Porto Alegre, e posteriormente na Lagoa dos Patos.
Rios de outras bacias hidrográficas, como a do Rio Uruguai também transbordaram, causando muitos prejuízos e mortes.
A maior tragédia climática do estado não era sem precedentes, pois em setembro e novembro de 2023, grandes volumes de chuvas causaram destruição similar nos municípios banhados pelos rios citados e muitos ainda se recuperavam das perdas do ano passado.
As tempestades foram generalizadas em todo o estado, afetando mais de 90% das cidades gaúchas.
Foto: Ricardo Stuckert / Agência Brasil. |
CHUVAS
Os serviços meteorológicos já identificaram e alertavam um potencial risco de chuva volumosa semelhante ao de setembro de 2023 desde 25 de abril, o que possibilitou avisar com certa antecedência aos órgãos estaduais e municipais competentes para tentar mitigar os impactos das tempestades, mas a chuva superou em muito as expectativas.
A imagem abaixo traz a evolução dos alertas de previsão de risco hidrológico e geológicos emitidos pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN) de 29 de abril até 15 de maio.
As regiões mais afetadas foram, novamente, as cidades do Vale do Rio Taquari, com destaque para Santa Tereza, Muçum, Encantado, Roca Sales, Arroio do Meio, Colinas, Estrela, Lajeado e Cruzeiro do Sul; na Grande Porto Alegre, com a subida histórica do Lago Guaíba, a cheia inundou, além da capital do estado, as cidades de Canoas, São Leopoldo, El Dourado do Sul e Guaíba.
Estima-se que o Rio Taquari tenha atingido cerca de 36 metros, uma vez que em alguns pontos de medição, as réguas da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) foram levadas pela força das águas. Já o Lago Guaíba, que recebe todo o volume de água da bacia, chegou a 5,35 metros em 5/5/2024, muito acima da cota de inundação de 3 metros (medição no Cais Mauá), superando o recorde de cheia anterior, de 1941, quando o nível do lago chegou a 4,71 metros.
O mapa a seguir apresenta o acumulado de chuvas em todos os municípios do Rio Grande do Sul que contam com estações de monitoramento do CEMADEN e do INMET que estavam em funcionamento entre os dias 28/5 e 5/5.
Quanto mais escuro o tom de azul, mais chuva acumulada precipitou no local. E o que se pode ver é que as cidades das áreas centrais e nordeste do estado foram as que sofreram maiores volumes, exatamente nas cabeceiras dos rios que desaguam no lago Guaíba, em Porto Alegre.
Mapa do Acumulado de Chuvas no Rio Grande do Sul por município entre 28/04/2024 e 05/05/2024 - Elaborado por Vinícius Lapa para Ecologia em Destaque com MapChart com dados do INMET e CEMADEN. |
Em algumas localidades choveu mais de 6 vezes a média climatológica esperado para 30 dias, considerando a média aritmética das médias climatológicas dos meses de abril e maio, segundo dados do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET).
Em Bento Gonçalves, que entre 28/5 e 5/5 registrou 647,2 mm, quando o esperado para 30 dias era de 99,35 mm. Já em Caixas do Sul foram 640,8 mm, contra 135,5 mm da média para 30 dias. No Jardim Botânico de Porto Alegre foram 382 mm registrados durante o período de 8 dias, quando a média para 30 fica entorno de 113,6 mm. Santa Maria, na bacia do Rio Jacuí, registrou 521 mm quando o histórico para 30 dias seriam de 124,48 mm.
Acumulado de chuvas entre 28/4/2024 e 5/5/2024 nos municípios gaúchos de Bento Gonçalves, Caxias do Sul, Porto Alegre e Santa Maria em comparação média climatológica esperada para 30 dias.
Na tabela abaixo você confere as 30 cidades que registraram o maior volume de chuva entre 28/4 e 5/5 monitoradas pelo INMET e CEMADEN.
Município
Precipitação (mm)
Fonte
FONTOURA XAVIER
759,4
CEMADEN
SEGREDO
756,6
CEMADEN
LAGOA BONITA DO SUL
709,2
CEMADEN
BENTO GONÇALVES
647,2
INMET
CAXIAS DO SUL
640,8
CEMADEN
SOLEDADE
608,2
INMET
FAXINAL DO SOTURNO
605,0
CEMADEN
NOVA PALMA
580,8
CEMADEN
ALTO FELIZ
554,6
CEMADEN
ARROIO DO TIGRE
535,0
CEMADEN
SANTA MARIA
521,7
INMET
LAJEADO
520,6
CEMADEN
SERAFINA CORRÊA
510,2
INMET
CANELA
495,2
INMET
SÃO FRANCISCO DE PAULA
481,4
CEMADEN
NOVA PETRÓPOLIS
477,0
CEMADEN
BOM PRINCÍPIO
463,8
CEMADEN
TEUTÔNIA
431,6
CEMADEN
CRUZEIRO DO SUL
426,2
CEMADEN
VENÂNCIO AIRES
422,0
CEMADEN
TRÊS COROAS
408,0
CEMADEN
ITATI
395,3
CEMADEN
ESTRELA
390,6
CEMADEN
CAMPO BOM
388,0
INMET
RIO PARDO
385,0
INMET
PORTO ALEGRE - JARDIM BOTÂNICO
382,0
INMET
TUPANCIRETA
382,0
INMET
VIAMÃO
380,0
CEMADEN
ERECHIM
379,8
CEMADEN
CAÇAPAVA DO SUL
378,2
INMET
O resultado de dias de chuva intensa pôde ser vista do espaço. Imagens de satélite divulgadas pela Agência Europeia Copernicus mostram o impacto da inundação no Rio Grande do Sul.
Na imagem, que alterna entre uma captura do dia 21 de abril e outra em 6 de maio, é impressionante a mancha escura de inundação, que carregou muitos sedimentos.
No centro, temos o Rio Taquari, que desagua no Rio Jacuí e vai em direção a Grande Porto Alegre chegando ao Lago Guaíba. Ainda na direita temos o Rio Caí e o Rio dos Sinos, que também desaguam na lagoa que banha a capital do estado.
MAS POR QUÊ CHOVEU TANTO?
As fortes chuvas se formaram a partir da formação de uma combinação de fatores. O Oceano Atlântico encontra-se com suas águas aquecidas, inclusive acima da média para o período, o que aumenta a evaporação de água. Na região central do país temos um sistema de alta pressão que vem causando uma onda de calor para vários estados.
Essa alta pressão impede que as frentes frias avancem pelo Brasil, que distribuiriam as chuvas pelo país. Essa frente fria ficou estacionada na região sul, no estado do Rio Grande do Sul.
Essa frente fria, associada a um cavado, tem baixa pressão atmosférica, o que facilita o ar quente subir. Ao subir, ela também encontra muita umidade. Essa umidade veio, em parte do próprio litoral do estado, mas em sua maioria, do Atlântico Equatorial.
A umidade do oceano carregada pelos ventos, que haviam causado chuvas fortes no litoral do Nordeste e em regiões do Norte, se reabasteceu ao passar passar pela Amazônia. Parte da umidade consegue passar pela Cordilheira dos Andes, mas grande parte não consegue transpor a cadeia de montanhas, desviando seu curso para o sul, passando pela Bolívia, Paraguai e Argentina, aceleradas pelas correntes de jatos, chegando carregadas ao Rio Grande do Sul, onde precipitaram com força e durante dias na região.
Para entender melhor o que aconteceu, sugiro o vídeo abaixo do canal Tempo e Clima Brasil do Meteorologista Davi Moura que explica de maneira visual e didática todos os fatores que culminaram nas chuvas no RS.
COMO AJUDAR?
O Brasil inteiro está enviando doações. Procure em sua cidade se existem pontos de coleta de doações voluntários em igrejas, associações de bairro, grupos de amigos ou mesmo organizados pelo Fundo Social do município.
Todas as agências dos Correios estão aceitando doações dos seguintes itens:
- água potável
- alimentos de cesta básica
- produtos de higiene pessoal
- materiais de limpeza seco
- itens de cama e banho
- rações para pets
* Roupas não estão temporariamente suspensas, pois 70% de todas as doações já realizadas foram em itens do vestuário.
Caso você queira contribuir em dinheiro ou através de trabalho voluntário, você pode acessar a página AJUDA RS que agrupa diversos links de informações de como ajudar as pessoas impactadas pela enchente: https://bento.me/ajudars
Outra campanha de arrecadação também vigente é o SOS Rio Grande do Sul, através da chave PIX: 92.958.800/0001-38 (Banco do Estado do Rio Grande do Sul ou Associação dos Bancos no Estado do Rio Grande do Sul). Para saber como o dinheiro dessa campanha elaborada pelo Governo do Estado está sendo distribuído acesse: https://sosenchentes.rs.gov.br/inicial
TRAGÉDIA PREVISTA?
Em 2021, 6º Relatório de Avaliação do IPCC que trazia informações sobre o sistema climático e suas alterações em face do aquecimento global evidenciava que, em um cenário de elevação média da temperatura global em 1,5°C já teríamos uma alteração no regime de chuvas.
Os impactos do aquecimento global no Brasil, como mostra a imagem abaixo, seriam o aumento das chuvas na região sul do país e a diminuição das chuvas para todas as outras regiões. Os cenário simulados pelos cientistas levam em consideração aumentos médio na temperatura global em 1,5°C a 4°C.
Imagem: IPCC |
BALANÇO DA DEFESA CIVIL ATÉ 16/5/2024
Foram 461 dos 497 municípios afetados de alguma forma com as fortes chuvas, seja por quedas de barreiras, deslizamentos de terra, inundações e enchentes.
São 77.199 pessoas em abrigos e 540.192 desalojados (pessoas que tiveram que sair de casa, mas não estão em abrigos públicos, podendo estar em casa de amigos e parentes e não necessariamente perderam suas casas) e 2.281.830 pessoas afetadas, cerca de 20% da população do Rio Grande do Sul.
São 806 pessoas feridas, 104 desaparecidas e 151 fatalidades na tragédia contabilizadas até o momento.
Foram resgatadas 76.620 pessoas e 11.932 animais.
Para mais detalhes sobre os dados sobre óbitos e desaparecidos, acesse o site da Defesa Civil do Rio Grande do Sul.